Flash Note: Huawei. Orgulho estupido ou estupidez orgulhosa?

Huawei. Orgulho estupido ou estupidez orgulhosa?

24 de Maio, 2019

 

Os machos de muitas espécies desenvolveram, ao longo da evolução, traços comportamentais que são importantes na competição entre eles. Assim, o tamanho relativo do corpo entre os competidores, ou o tamanho dos chifres (para dar um exemplo), condiciona grandemente a predisposição para a luta e, claro, o resultado final. A espécie humana não é exceção. Eu diria que obedece a mesma regra em si. Hoje temos dois machos que se sentem fortes e, portanto, querem lutar. (Eu olho e tudo que vejo são hormônios em brasa.) A boa notícia? (Como? Pode haver boas notícias?). As lutas entre espécimes masculinas geralmente duram pouco tempo e raramente alguém morre. A má notícia? Não termina até que um dos dois sinta muita dor. Muito triste. Dado que o confronto com outro concorrente implica potenciais benefícios em termos de acesso a recursos, refúgio e popularidade (este último fielmente representado pelos eleitores), então a batalha está quase garantida. Mas não se preocupe. Até o próprio Darwin disse que deve haver duas condições para que as hostilidades, em um grau máximo, ocorram: 1) O benefício deve ser evidente. 2) Ambos os competidores devem apresentar condições de resistência similares. É aí que pode acontecer de tais condições não serem compridas, o que significaria que isso não deveria ir além de uma escaramuça vulgar (um arranhão). Quero dizer. Basta que um dos competidores não perceba com clareza qual seria o binômio risco/benefício como resultado do conflito. E também seria suficiente um dos dois espécimes não exibisse a mesma capacidade de resistência. Eu acredito que as duas circunstâncias estão sendo compridas hoje. Sim, acredito! Mas isso continua! Bom. Tivemos que superar a fase de exibir dentes e garras, e vemos agora o começo das primeiras mordidas e arranhadas. Neste ponto, um dos competidores (China) começa a suspeitar da dor potencial que pode infligir. Me explico.

 

A Huawei é o principal conglomerado tecnológico da China, e a decisão do Departamento de Comércio dos EUA de colocá-la em sua lista de entidades e, portanto, sujeita à Lei de Controle de Exportação (proibição da venda de produtos americanos a essas empresas) restringe de uma forma vital a capacidade da Huawei para continuar operando. É claro, os executivos da Huawei disseram à sua equipe que “a empresa está preparada para a perda de acesso a componentes e chips americanos”. Os especialistas consultados acreditam que isso é pura propaganda para evitar pânico entre seus trabalhadores e, acima de tudo, seus clientes. Temos alguma experiência no tema de sanções contra empresas chinesas; algo que pode nos ajudar hoje. A empresa chinesa ZTE (tecnologia) também foi incluída na lista de entidades do Departamento de Comércio e acabou encerrando as operações. A Huawei diz que seu case é diferente do da ZTE (claro, “sempre” é diferente) já que tem sua própria unidade de design de semicondutores e chips, chamada HiSilicon. No entanto, e como eu pude saber, a quantidade de componentes que a Huawei precisa para o seu negócio de smartphones e rede é enorme (CPUS, módulos de radiofrequência, lasers, etc.), e embora o HiSilicon pareça ser o melhor designer de chips da China, fontes me dissera que eles não conseguem fornecer todos esses componentes que a Huawei compra hoje da Qualcom ou da Broadcom. Também é importante entender que a lei de Controle de Exportação aplicada por Washington à Huawei afeta não apenas o hardware, mas também o software. Certamente você sabe que a Huawei usa o sistema operacional Android desenvolvido pelo Google e, como é um software de código aberto, você pode continuar usando a versão pública. Mas temo que com isso você não possa ir muito longe. Huawei não só irá parar de usar os aplicativos e serviços do Google, mas também serviços de empresas como a Oracle e a própria Microsoft. Isso é mais serio.

 

Importante também. A lei de Controle de Exportação não serve apenas para empresas norte-americanas (sujeita à proibição de fornecimento de componentes para a Huawei), mas também para qualquer produto que seja vendido no mundo, cujo valor agregado seja composto de 25% de tecnologia americana. Claro, dado que os EUA são líderes indiscutíveis, e este mercado é muito globalizado, não devemos nos surpreender ao ver o alemão Infineon anunciar, nesta segunda-feira, a interrupção no fornecimento de suprimentos para a Huawei. Você entende agora por que muitas empresas não americanas anunciaram a cessação de suprimentos para a gigante chinesa esta semana? Isso significa que a Huawei não poderá procurar substitutos fora dos EUA. Algumas pessoas sugerem que a China buscará substituir todos esses componentes pela produção interna e que acabará sendo favorável aos seus interesses. Pode acontecer, mas como eu pude saber, levaria anos para alcançar as melhorias tecnológicas necessárias. Alguns anos em que os EUA continuarão a desenvolver novas tecnologias, o que provavelmente resultará em um aumento do hiato tecnológico. No momento, a Huawei parece ter acumulado estoques de componentes e chips (equivalente a 1 ano de consumo). De alguma forma, eu já suspeitava que o caso da ZTE pudesse ser repetido novamente. Especialistas traduzem esta política de estoque da Huawei como um sinal de espera para as autoridades da China e dos EUA chegarem a um acordo definitivo.

 

Haverá também danos no lado norte-americano. A Huawei é fornecedora de equipamentos de rede para operadoras nos EUA e oferece serviços em áreas rurais (Skyworks, Qorvo, Broadcom …). A Huawei também compra serviços de muitas outras empresas da América do Norte, como Google, Microsoft e Oracle. Empresas reclamaram intensamente durante as sanções contra a ZTE. Imagine o grau de discordância com o caso da Huawei. Sem esquecer os efeitos colaterais no resto do mundo, onde muitos operadores de rede têm a Huawei como seu principal fornecedor, e que provavelmente não vão gostar se esta empresa estiver em sérios apuros. Ainda mais porque esses países estão pensando em atualizar sua tecnologia para 5G (já vimos no passado como a Vodafone paralisou o seu investimento), ou o simples fato de que houve um longo processo de consolidação da indústria de equipamentos de rede; o que significa que poucas empresas oferecem essa tecnologia. Temos a Nokia e a Ericsson, mas aparentemente elas não oferecem a mesma gama de produtos, o que significa que, caso isso piore, levaria a um aumento de custos para os operadores e, portanto, para os clientes de todo o mundo.

 

Nossa visão em três pontos:

 

1. Huawei (primeira tecnologia da China) não pode sobreviver por muito tempo sob as limitações da Lei de Controles de Exportação (de acordo com os especialistas consultados). A estratégia de Washington de limitar as capacidades operacionais da empresa e limitar sua expansão visa transformá-la em um fornecedor menos “desejável”. Os consultores sugerem que muitos funcionários na China não vão aceitar a destruição da Huawei e que esse fato se traduzirá em uma forte pressão para Xi Jinping voltar à mesa de negociações. Isso é bom.

 

2. Trump suavizou as sanções contra a ZTE (quando esta empresa aceitou sua culpabilidade perante as acusações criminais que os promotores dos EUA fizeram). Isso trouxe muitas críticas ao presidente (especialmente de sua equipe de segurança nacional), mas indica que ele poderia fazer o mesmo com a Huawei. Isso também é bom. A condição seria que a China retome o esboço inicial das negociações, especificamente a seção de mudanças regulatórias.

 

3. Dito isto, todas as decisões tomadas parecem complicar uma solução política. Então, efetivamente, isso pode piorar antes de uma das partes aceitar o status resultante e redirecionar ao caminho correto. Podemos ver mais algumas garras até as hostilidades cessarem. Quanto tempo? Como tentei expressar no início desta nota, uma das partes terá que perceber a dor de uma maneira real. Não se preocupe. Faz parte do fenômeno da evolução definido em sua formulação clássica. Conforme descrito nesta nota, Pequim deve ver os graves danos que implicaria a destruição da Huawei (que Washington certamente pode causar), além do dano que pode sofrer a própria economia local (de acordo com os nossos dados, bastante desfigurada nos dias de hoje). Não deve demorar muito até que tudo isso seja observável e leve à cessação das hostilidades.

 

O que eu não sei é se é um caso de orgulho estúpido ou de estupidez orgulhosa. Espero que seja o primeiro caso. Um distúrbio que geralmente é mais efêmero.

 

Saudações,

 

Alex Fusté
Global Chief Economist
Andbank